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Sobre postar spoilers e a falta de empatia

2 Maio , 2016  


SPOILER ALERT: esse post pode conter spoilers

Por Matheus Gonçalves

Na noite do último domingo (1) foi ao ar o segundo episódio da sexta temporada de Guerra dos Tronos, ou Game of Thrones. A última cena deste capítulo deu uma revelação extremamente importante à trama, mas obviamente não vou falar disso neste texto, pois não é o foco.

Acontece que, mais que prontamente, as pessoas em completa euforia passaram a comentar sobre o ocorrido em suas redes sociais, principalmente no Twitter, no qual muita gente comenta as coisas em tempo real. Mas… será que a gente pode considerar isso “soltar spoilers”?
 
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O argumento dos defensores dos spoilers é de que, como se trata de um evento ao vivo, e já que o Twitter — assim como provou-se na Copa do Mundo — é uma excelente ferramenta pra comentar eventos ao vivo, nada melhor que usá-lo pra isso, certo?

Mas… será que podemos classificar filmes e seriados assim como eventos ao vivo? Mais ainda: será que todos que estão acessando aquela determinada rede social, também estão assistindo a mesma obra que você?

Definindo as variáveis…

Como bem disse The Reading Ape, no excelente post The New Rules of Spoilers, temos um conflito direitos que se contrapõem:

O Direito À Surpresa – um direito pessoal de qualquer telespectador ou leitor de experimentar o prazer de não saber o que vai acontecer em seguida.
 
O Direito Ao Debate – um direito pessoal de qualquer telespectador ou leitor de se envolver em discurso público sobre o conteúdo de uma determinada obra ou narrativa.

Ou seja, quem comenta sobre eventos ao vivo tem tanto direito de o fazer quanto quem tem direito a não ficar sabendo de nada. Complexo né?

 
Perspectiva
 

Veja bem: num jogo de futebol, a maior parte das pessoas que eventualmente NÃO assistiu ou não está assistindo ao jogo, tem como primeira pergunta: “Quanto está o placar?” ou “Como está o jogo?“. É comumente aceito ver um evento assim em live tweet.

Mas mesmo sobrando apenas uma minoria que não quer ouvir falar do jogo enquanto não chega em casa e assiste a gravação, será que a gente tem direito de estragar a surpresa dessa galera que, por acaso, passou na rede social por qualquer outro motivo e tomou um spoiler na cara?

A expectativa muda e o fator surpresa é completamente diferente. Vamos tentar aqui definir um guia aproximado de como evitar problemas em relação a isso, para si e para os outros. Afinal, spoiler é falta de empatia.

E o que vem a ser empatia, você pergunta?

Empatia significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo.

Por questão de bom senso, vou desconsiderar sumariamente os trolls que soltam spoilers de maneira voluntária, afinal eles têm plena ciência do que estão fazendo. Meu objetivo aqui é focar em quem não percebe que está soltando spoiler, ou não vê nisso algo prejudicial, e portanto não sabe como lidar em relação ao assunto.

Preciso evitar soltar spoilers?


Você não precisa nada. Se você quiser comentar um evento, um episódio, em sua rede social, você tá mais que liberado¹. Se você não se importa minimamente com quem te segue, se você não tem essa preocupação e empatia, pode pular esse texto, pois ele não serve pra você. Caso contrário, convém pensar antes de apertar o botão “enviar”. E de uma forma simples. Pergunte-se:

Será que isso que eu vou dizer agora pode vir a estragar a surpresa de alguém que me segue? ²

Se a resposta for SIM, talvez seja melhor não postar.

Mas Toad, eu quero muito falar disso, e tem que ser agora!!

Ok, mas que tal postar de uma forma que só quem também por ventura já tenha experimentado aquilo vá entender sua mensagem? Não é difícil. Quer um exemplo?

 


 

Quem não assistiu, não faz ideia do que seja. Quem assistiu, saca a referência. Não é difícil, certo?

Ai gente, vc quer que todo mundo pare de comentar só porque a linda não tá vendo?

Empatia mandou lembranças… Bom, se você quer tanto comentar sobre o assunto, manda ver, mas que tal avisar quem te lê?

Use hashtags como #Spoiler e outra qualquer que seja padrão daquela determinada obra. Isso pode ajudar, inclusive, nos casos onde pessoas utilizem filtros que escondem informações indesejadas. A exemplo da extensão para o Google Chrome Unspoiler, ou a função que silencia textos no TweetDeck. Se você ainda não usa, tá esperando o quê?

 
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Infelizmente o app padrão do Twitter não oferece um recurso para silenciar hashtags, o que deixa muitos dos usuários vulneráveis a todo tipo de comentário. Para quem puder e quiser, existem outros apps que resolvem esse problema.

No Facebook, principalmente no smartphone, não há o que possa ser feito a não ser contar com a empatia alheia.

Se a pessoa gostasse mesmo da obra, ela não estaria na rede social, estaria assistindo!

“Não tem HBO, tem streaming online, se vira!”

Você pode por favor pensar em todas as mil situações que levaram outro fã a não acompanhar a obra naquele momento?

Talvez ele esteja num evento social, e resolveu dar uma lida na timeline, todo mundo faz isso. Talvez a pessoa estava estudando e deu uma parada para ver o que tava acontecendo no mundo.

Ou mesmo um rapaz que comentou que estava cuidando de gatos de um abrigo, sem TV. Tinha apenas o smartphone e resolveu ler suas redes sociais, e foi surpreendido pelo spoiler.

Somente cada pessoa sabe do que passa consigo, e é de bom tom respeitar isso.

Se você não quer ver spoilers, saia das redes sociais!

Esse é um dos argumentos que mais me deixam triste. Porque o indivíduo de fato tá cag@%$# pra você. Pessoalmente falando, é até bom, pois isso serve de filtro de unfollow. Isso porque a pessoa não parou nem por um segundo pra pensar nos motivos pelos quais o outro usuário está na rede social, tampouco porque é que não assistiu a série ainda.

É como se, já que ele está vendo, todos os demais têm obrigação de ter assistido também. Ou querer eliminar a liberdade da pessoa de algo tão trivial como acessar as próprias redes sociais só porque algumas pessoas não consegue segurar spoilers, nem — olha só novamente vejam vocês — ter o mínimo de empatia!

Postei o seguinte tweet, que, claro, foi mal interpretado:

 


 

Credo, Toad, como você pode comparar algo tão horrível quanto um estupro a um spoiler?!!

Mas eu não fiz isso em momento algum, caramba! Vamo ler de novo! Tô comparando o pensamento pequeno de privar pessoas de coisas triviais por conta de comportamento nocivo alheio.

Nenhum estupro sequer aconteceu na minha analogia. O que aconteceu foi uma pessoa completamente equivocada querendo limar a liberdade de um terceiro em prol da própria babaquice e falta de empatia.

A crítica foi à mente tacanha que acha que você deve deixar de fazer algo, por mais normal que seja, caso outra pessoa possa agir de forma perigosa. Quando ela deveria criticar o comportamento perigoso deste terceiro. É o tipo de gente que acha que atacar a consequência resolve a causa. Passa a vida inteira enxugando o chão e não pensa em fechar a torneira.

 
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Ah, mas então eu tenho que limar a minha liberdade?

“A série está passando agora, eu quero comentar agora! Por que eu não posso?”

Nope. Como eu disse aqui em cima¹, você tá mais que liberado. Mas aí vem, novamente, a existência ou não de empatia. Se você se preocupa um pouco com quem lê as coisas que você escreve, talvez repensar essa prática pode ser algo, digamos, prudente.

Ah, mas me segue porque quer!!

Gente, que horror. Mas vamos lá:

  • Talvez a pessoa te siga porque gosta do que você fala sobre outros assuntos.
  • Talvez a pessoa não soubesse que você é do tipo que solta spoilers.
  • Talvez a pessoa não leu duas semanas da sua timeline antes de clicar no botão de follow.
  • Talvez a pessoa sequer te siga, mas alguém deu RT ou repassou sua mensagem.

E, se você é do tipo de pessoa que fala isso, de fato talvez a melhor coisa seja que as pessoas deixem de acompanhar o que você diz.

A ciência prova que ver spoilers melhora a experiência da obra!

Esse é um ponto muito interessante. Existe um estudo da UC San Diego (PDF) que sugere que, ao menos dentro daquelas obras utilizadas no experimento, pessoas que receberam spoilers demonstraram gostar MAIS das estórias que as pessoas que não tinham recebido informação alguma.

 
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O argumento é que, quanto mais sabemos de algo, mais tendemos a gostar e isso faz todo sentido. Mas… isso não deveria ser uma opção pessoal? Não acho que eu ou você tenhamos o direito de soltar um spoiler, correndo o risco de estragar a surpresa de alguém, só porque saibamos que pode ser que ela venha a gostar mais.

É preferível deixar a pessoa assistir duas vezes, uma com a surpresa, outra com a informação, no tempo dela.

Quando um spoiler deixa de ser um spoiler?

Essa pergunta também é excelente: qual o prazo de validade de um spoiler? Quanto tempo esperar para saber se algo pode ou não ser dito? Quais são as regras de éticas de spoiler?

Esse talvez seja o ponto mais controverso deste assunto. Principalmente porque as obras e as mídias são diferentes, as expectativas são diferentes e a forma que as assistimos, é diferente.

 
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Por exemplo, uma série da Netflix vai ao ar com todos os episódios disponíveis. Tem quem assiste tudo de uma vez só. Tem quem demore semanas, até meses.

Graças à Internet, podemos assistir as coisas on demand, sempre que sobra um horário. Eu mesmo vim a terminar de assistir as temporadas 4, 5 e 6 de The Walking Dead no mês passado.

E, claro, tomei spoilers. Isso fez com que eu desistisse da série? Claro que não. Isso melhorou o seriado pra mim? Não, tomar o spoiler me fez deixar de ter uma surpresa, eu assisti já sabendo o que ía acontecer.

Mas vamos começar pelo mais fácil: existem “spoilers” que já são de domínio público, pois fazem parte da cultura pop. Quem é o pai dos Skywalkers, o que vem a ser o sonho de Inception, quem são os outros em Os Outros e quem são as pessoas mortas vistas por quem vê pessoas mortas o tempo inteiro.
 

 

Nestes casos, como se trata de algo que já permeia nossa cultura, dá pra relevar facilmente. Agora, em qualquer outro caso, fica extremamente difícil estabelecer uma regra exata e que vale pra todos de uma maneira uniforme.

quem defenda que, para títulos como esse, passados seis meses tá todo mundo livre e pode falar do que quiser. De fato, seis meses é bastante tempo, e mesmo quem por acaso esteja como uma série atrasada talvez sinta o impacto do spoiler com menos peso, afinal essa culpa meio que se divide entre quem soltou e quem recebeu.

Ainda assim, é um spoiler. Afinal, spoiler é estragar a experiência alheia revelando a surpresa sem ser solicitado. E isso, esse efeito, é atemporal.

Portanto a gente cai novamente no limiar da empatia e devemos repetir os passos anteriores listados aqui². Faça-se a pergunta e poupe seus seguidores ou amigos de um possível spoiler.

Pra finalizar…

Pessoalmente, ao vivo, você não chegaria pra uma pessoa que você gosta, do nada, e soltaria um spoiler dum eventual episódio da noite anterior, certo? Ao vivo, entre amigos, você não contaria a cena pro colega que está na mesma sala, mas com fones de ouvido assistindo outra coisa numa outra tela, ou contaria?

Nestes casos, duas perguntas resolvem: “Você já assistiu episódio tal?” e “Você se importa com spoilers?

Esse é um problema relativamente novo, ou com potencial muito maior por causa da Internet. E ficou bem claro nesse post que dá pra todos nós (os que gostamos de comentar e os que não gostamos de spoilers) tornarmos as redes sociais um ambiente bacana pra todo mundo, sem restringir a liberdade de ninguém, certo?

Na dúvida, você já sabe o que fazer.
 
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Estamos combinados?

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